terça-feira, 1 de setembro de 2015

Os meus 80 anos!


Há 80 anos eu nasci... Era um começo de noite de domingo na até então pequena e pacata 'Vila de São Bernardo', como se dizia na época. No mesmo dia do Corinthians, no mesmo ano do São Paulo FC, com o mesmo nome e, inspirado na 'Società Sportiva Palestra Italia', o Palmeiras, mas, com personalidade própria. Um jovem chamado Alfredo Sabatini, revoltado por ter sido preterido em seu clube foi quem me deu a luz junto a alguns amigos italianos e descendentes. Eram tempos difíceis.


Minha primeira casa foi no coração da minha cidade, atrás do velho Casarão na Rua Marechal Deodoro, na hoje movimentadíssima Praça Lauro Gomes.  Lá dei meus primeiros passos. Lembro que a bola que eu jogava no quintal sempre caiam em um ribeirão no fundo do campo onde hoje é a Avenida Faria Lima. As centenas de pessoas que passam por ali hoje mal podem imaginar que lá já foi o nosso estádio. Não havia muito o que se fazer naqueles tempos. A principal diversão dos finais de semana daqueles cidadadãos era ver futebol nos campos de várzea. Logo muita gente passou a gostar e a zelar por mim, principalmente a classe mais pobre.

Antigo campo na Rua Marechal Deodoro


Anos depois veio a 2° Guerra Mundial e fui obrigado a mudar meu nome, assim como outros coirmãos que homenageavam países estrangeiros. Quase me batizaram de ‘Paulista’, mas, fomos persistentes e mudamos apenas o sobrenome, tiramos a menção ‘Itália’ para sermos eternamente ‘Palestra de São Bernardo’. E que nome! Quanta tradição e orgulho ele carrega. O único ‘Palestra’ sobrevivente no profissionalismo até bem pouco tempo.

Fiz grandes times nos anos 40. Equipes que envolveram e encantaram a cidade. Tinha, por exemplo, os chamados ‘pretos do Palestra’. Dizem que eles se sentiam mais a vontade no clube. Teve até um deles, Waldemar Fogosa, que largou o Bangu-RJ para vir jogar por nós. 

Equipe dos anos 40 com Ferrinho, Eurico de Azevedo Marques e outros


Já nos anos 50 com um belo time e o clube bem organizado entramos no profissionalismo, porém, veio um duro golpe – talvez um dos maiores de toda nossa vida. Perdemos a nossa casa para o progresso. O estádio foi desapropriado. Daria lugar a principal praça do município. Quase foi fatal, mas, provamos o quanto éramos fortes, o quanto nossas raízes já haviam fincado nos corações sambernadenses. Resistimos bravamente graças a abnegados curadores que lutaram e conquistaram uma nova morada, a nossa sede no bairro Ferrazópolis. Na briga para defender nossa permanência na antiga moradia teve até morte, uma tragédia. Gumercindo Ferreira da Silva levou um tiro quando tentava impedir que as máquinas a destruíssem.

Antigo símbolo da equipe com as iniciais 'PISB' de Palestra Italia de São Bernardo


Foi difícil reconstruir nossa casinha, custou tempo, dinheiro e muita, mas muita dedicação daqueles homens. Moramos de favor, até mesmo na casa dos nossos rivais do Esporte. Aliás, obrigado! Construímos nosso lar em um espaço novo, com novos vizinhos e pessoas para conquistar. O Ferrazópolis não foi apenas uma mudança de endereço, ele norteou a vida palestrina para um novo rumo. Aquele bairro pobre e ermo viu no Palestra uma nova oportunidade de vida e enxergamos nele o mesmo com as famosas e populares ‘escolinhas de esportes’, que reuniam mais de uma centena de crianças e jovens em várias modalidades. Ficamos tão íntimos que nem catraca havia na nossa entrada.

Nova casa palestrina no bairro Ferrazópolis


Nos anos 70 então, voltamos com tudo aos campos e fomos os melhores. Ninguém nos batia nos campeonatos amadores, por sinal, até hoje, um dos mais disputados em todo o país. Vencemos em 72, 73, passamos próximos de vencer nos outros anos. Equipes que hoje disputariam uma Série A2 com o pé nas costas. 

A rivalidade com o velho EC São Bernardo sempre existiu respeitosamente, mas, se há alguém com quem nunca nos demos bem foi com um jovem morador do Rudge Ramos, chamado Aliança Clube. Juntos fizemos grandes e duríssimos duelos, no entanto, não vamos falar de quem já partiu. 

Cyro Cassettari recebe a faixa de campeão Invicto do Amador de 72 das mãos do prefeito Geraldo Faria Rodrigues


E para quem duvidasse da força que tinha o Amador na época, recebemos até mesmo a visita da Majestade do futebol. O Santos do Rei Pelé veio jogar contra o Palestra na Vila Euclides. Imagine hoje, um clube amador receber o Barcelona de Neymar ou Messi? Quase impossível! Tinha quem coçasse os olhos pensando estar vendo miragem. Vencemos ainda os campeonatos de 77 e 78, juvenis, veteranos e começamos a voltar a sonhar com o profissionalismo. Recebi ainda Corinthians de Rivelino e anos mais tarde o Palmeiras de Dudu e vários outros.

Em 1980, já quase um cinquentão, eram muitos os filhos e até netos que havíamos formado com nossas escolas. Tínhamos vôlei, karatê, handebol, futsal, tênis de mesa, até aeromodelismo, modalidade essa que nos rendeu as primeiras viagens e títulos na América e na Europa. Entre as visitas ilustres recebemos até o Bayern de Munique (e demos trabalho). Mas, a ideia era mesmo estar nos profissionais. O Palestra tornara-se grande demais para o Amador. E retornamos em 1986, 35 anos depois de estarmos pela primeira vez.

Palestra vai a Holanda depois de ser campeão sulamericano de Aeromodelismo


Uma equipe feita em casa, por meninos criados dentro do Palestra, meninos do Ferrazópolis, educados para serem atletas e cidadãos, algo fantástico dentro do que o esporte pode proporcionar na formação humana. E deu muito certo! Quanto orgulho daqueles meninos. Quase todos se tornaram pessoas de bem, distintas, grande parte formadas, doutores, homens públicos, enfim.

Ampliei a minha casa. Sabe aquelas reformas que você começa e não vê o fim? Loucura pura. Fiz um ginásio que demandou um sacrifício enorme dos membros, mas, ficou pronto e muito lindo por sinal. Ganhou o nome de Geraldo Faria Rodrigues, um dos grandes prefeitos que tivemos em São Bernardo.

Construção do ginásio foi uma grande saga


Fizemos excelentes campeonatos em 86, 87, 88 e fomos até 1992. Ai então vimos que começava a faltar fôlego. O profissionalismo é difícil e apostamos na base. Ganhamos a primeira taça da Federação Paulista com uma equipe aspirante. 


Uma das melhores equipes palestrinas de todos os tempos formada em casa


Um desses meninos campeões era um negrinho franzino chamado na época de ‘Cacá’, que depois se tornaria um tal de Zé Roberto. Sabe como é pai coruja, né? Eu não queria citar nomes para não gerar ciúmes, mas entre os filhos do futebol outros também nos deram muito orgulho como Raul Zanata, André Dias, Fabinho, Júnior Urso, enfim. Na metade da década ganhei inclusive uma biografia do grande Ademir Medici.

André Dias, zagueiro do S.Paulo e da Seleção inciou no Palestra


Os anos 90 foram de muita transformação, assim como de forma geral. Grandes mudanças viriam. O futebol passava a ser custoso ao mesmo tempo em que o país passava por grandes turbulências econômicas e políticas. Estas combinações geralmente não dão certo. 

Como clube, começávamos a dar sinal de cansaço. Os membros começaram devagar a se dispersar e a sede gloriosa ficava de certa forma obsoleta e grande demais. Assim como fica a nossa casa, cheia de cômodos quando os filhos vão embora: vazia e sem sentido. No futebol, voltaríamos em 1997 e com título. O vice-campeonato da Série B1, ou seja, a 4° divisão do futebol paulista. A taça deu novo ânimo aos dirigentes naquele final de década.

O futebol, no entanto, é gratificante e cheio de emoções, mas, é também ingrato. Nos anos seguintes, 98, 99 e 2000 passamos bem perto, por meros detalhes não subimos para a Série A3 e, devagar o cavalo arreado foi passando e nos deixando para atrás.


O Palestra de Chico Formiga foi vice-campeão Paulista da Série B1 em 1997 e passou perto em 98 e 99


Na verdade, como todo filho do meio, sempre vivemos um conflito existencial. O nosso nome carrega muitos sentidos e não são todos que compreendem isso facilmente. Na nossa própria cidade, de quem levamos o sobrenome, sempre questionaram o fato de não levarmos sermos apenas ‘São Bernardo’, assim como os outros dois clubes existentes. Como se isso diminuísse a importância do Corinthians em São Paulo, do Guarani em Campinas ou do Comercial em Ribeirão Preto. Somos sim, inspirado na atual Sociedade Esportiva Palmeiras, afinal meu pai estava empolgado com o tricampeonato paulista do Palestra Italia em 1932, 33 e 34 e fez a homenagem, mas, nunca compreenderam que temos nossa própria vida, independente, inclusive nunca tendo contato algum com o primo rico da Capital.

Apesar de levar o nome da cidade, Palestra nunca caiu nas graças de toda a cidade. Preconceito pelo nome semelhante ao do Palmeiras sempre existiu


Também nunca fui ligado em política e isso custou caro ao longo da nossa vida. São Bernardo apesar da pujança, de ser a ‘AutoCap’ brasileira, sempre preservou o provincianismo na  política. Coincidência ou não, - já estou velho para entrar nesse mérito – sempre ficamos de escanteio na preferência das administrações municipais. Algo que até pode ter feito falta em alguns momentos, mas, presente nos estádios ou não, temos nossos torcedores fieis pela cidade e isso nos orgulha demais! Palestrino é Palestra sempre! Independente de fase, apoio de quem quer que seja, ou, até mesmo se está ou não em campo. Quem já jogou, torceu e vibrou, ou simplesmente nos teve como vizinho não se esquece. Nunca precisei pagar ninguém para me ver jogar e nem nunca atraímos gente empolgada simplesmente, quem por nós torce é puramente de coração.

Nos anos 2000, meus filhos acharam que aquela casa grande e vazia precisava ter outras serventias. Fizeram dela uma escola, o IPEC (Instituto Palestra de Educação e Cultura). Uma ideia boa, até, mas mal gerida. Eu fui morar em um quartinho no fundo da minha própria residência e passei até a ser olhado de forma estranha lá dentro por quem a frequentava. Sabe como é: os filhos acham que mandam em nossas vidas. Já em 2005 acharam que eu precisava de uma completa transformação de figurino.

PSB foi uma trágica tentativa de dar fôlego ao clube


Quiseram me chamar pelas iniciais, ‘PSB’; mudaram minha roupa, tiraram o verde que eu tanto amei pelo vermelho, assim como meu escudo, o mascote e o hino. Tudo muito bonito, diga-se de passagem, mas, os vizinhos passaram a não me reconhecer mais dentro de tanta modernidade. Queriam me dar um fôlego novo, aquelas coisas de gente velha. Fiz até certo sucesso, viu! Muita gente foi me ver de novo, porém, meus bons e velhos amigos ficaram tristes e magoados com essa mudança de personalidade. Não daria certo. Em 2006 voltei a ser Palestra e em 2008 voltei a ser verde e branco. Ufa! Que alivio! Nada como se sentir a vontade.

Em campo, péssimas campanhas e, tive que me ausentar novamente em 2008 depois de 12 anos consecutivos nos profissionais. Ganhei – quem diria – uma torcida organizada. Verdadeiros loucos. Sempre um incentivo a mais. Voltei em 2009 e fiz uma campanha irretocável que acabou em Taubaté. Mais uma vez foi por pouco! Ganhamos mais um amigo!


Torcida palestrina vibrava. torcia, incentivava e inspirava mesmo em fases ruins


Falando em amigos, como bom ‘caipira de São Bernardo’ - afinal, quando eu nasci nossa cidade era bem pequena -, gosto de contar ‘causos’. Já contei que certa vez um avião fez um pouso forçado no quintal da minha casa na Marechal? Sorte que não havia ninguém jogando no momento. Teve outra vez também que estávamos perdendo uma partida no mesmo campo e os carneiros que pastavam a grama estavam em um cercado ao lado. Quando empatamos o jogo soltaram os carneiros e acabou o jogo. Se eu dissesse também que fui um dos primeiros clubes do Brasil a usar uniformes numerados ninguém acreditaria, por isso eu nem conto.

Se há uma coisa que não posso reclamar nesses anos de angústia foi a ausência de raça. Pode parecer saudosismo e romantismo desse velho aqui, mas, a camisa Alviverde sempre inspirou raça dos seus atletas. Em 2010, um time guerreiro, mas o vício em coisas ruins nos fez faltar pulmão para as horas decisivas. Em 2011, bom, deixa pra lá!

Má fase não significou 'displicência' dos atletas. Ao contrário. Na crise, muitos mostraram amor e respeito à camisa 


Hoje estou velho e como todo idoso que já criou filhos e netos, ando um pouco esquecido. Faltam-me atividades. Sempre me compram um vaso de flor para enfeitar a minha velha e grande casa, até limpam minha piscina, mas não é disso que eu sinto falta. Sinto muito a falta de todos perto de mim, das alegrias das festas, das comemorações, das vibrações, do Ferrazópolis sendo representado por aquele esquadrão, das crianças brincando em meu quintal, daquela bandeira tremulando orgulhosa de suas cores e seus nomes, a torcida cantando gritos de guerra, a bateria, até a cervejinha depois das partidas. Sinto falta daquele friozinho que eu dava na barriga de tantas pessoas, homens, mulheres, crianças, velhos, jovens e meninos que saiam de casa para me ver. Já não encanto tanto como em outros tempos, mas tenho uma história motivadora, exemplo para qualquer clube.

Equipe de 2009 passou perto de subir a A3


Não que eu seja melhor que os outros. Não tenho uma sala de troféus maior que a de muitos – embora sejam centenas delas – precisando de um bom brilho e o cuidado merecido. São tantas coisas que preciso arranjar um tempo e organizar... Aquela coisa que todo velhinho tem na sua casa. Mas, temos nossa alma, nosso espaço reservado no coração de grande parte da cidade, uma história de muita luta, muita intensidade. Recebi alguns telefonemas e mensagens, pessoas que lembraram da nossa existência. Os jornais também lembraram. Dá um certo alívio no coração ser homenageado e saber que somos queridos

Neste dia 1° de setembro de 2015, 80 anos depois daquele célebre dia em que meu pai me batizou no Bar e Lanche Viarregio, na Marechal, acordei pensando no passado; Deu muita saudade de tudo que vivi e de tantas pessoas que já passaram em minha vida e já partiram. Papai Alfredo, Nandinho, Noronha, Carlos Zimermman, Theobaldo, Biguá, Capovilla, Ferrinho, Fogosa, Quatro Paus, Caetano, Caiuba, Atílio, Tereza, Colombo, o Bó... Daqueles que ajudaram a me criar, crescer, que fizeram tudo isso acontecer como Cyro, Zeca, os irmãos Tofanello, Cicarelli, Gianelli, os irmãos Gemada, Ling, Bó, Loro, Beto, Moesy, Ivonete, enfim, não dá para citar todos, seria até injusto!

Alguns heróis palestrinos


Não tenho um corpo atlético e nem fios pretos de cabelo na cabeça, mas, não estou morto e nem moribundo, tenho saúde. O médico me deu muitos anos de vida, disse que enquanto morar nos corações das pessoas não vou partir tão cedo, por isso fico aliviado. Posso dizer que difícil não é fazer 80 anos, difícil mesmo é fazer um ano como eu!

Parabéns para mim!

Ass.: Palestra de São Bernardo!

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